quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Os mendigos outra vez...


Através do intercomunicador, uma voz de cerrada pronúncia romena chora-me ao ouvido a sua fome. No povo se diz que se não nega comida a ninguém e desta vez eu concordo com o povo. No intervalo do pranto, eu tento ter a certeza daquilo que me é pedido: "A senhora tem fome?". O meu preconceito, desconfiança e dificuldade em entender uma senhora que tem como língua materna aquela que não é a minha e que troca as palavras por lágrimas na sua boca, levam-me a fazê-lo e eu confirmei com a sua resposta afirmativa de que era fome.

Troco o roupão pela camisola polar, pois lá fora está frio e não se anda de roupa de dormir na rua. Rasgo dois pães da avó ao meio e recheio com generosas fatias de queijo e fiambre. Abro um saco onde o cabaz vai ficar e junto dos pães vão também três laranjas e três maças, um pacote de bolachas de canela e aquilo que julgava ser o maior sorriso de um mendigo, uma garrafa de um litro de Coca-Cola.

Apresso-me à rua, ansioso pela reacção e orgulhoso pela acção. Expectante estava em relação à paciência da senhora por esperar cinco literais minutos. Abro um sorriso, digo bom dia e estendo a mão com o saco a uma figura de tez avermelhada e de lenço azul a cobrir-lhe a testa. A senhora separa as duas alças e espreita. Eu fixo o olhar no seu rosto para entender a felicidade que será ter o estômago cheio por mais um dia de sobrevivência e ela está quase a reagir. Olha-me nos olhos e solta: "Não tem uma moeda?".